A mesa da cartomante como local de resistência feminino
O lugar da cartomancia em que eu acredito é o lugar histórico da cozinha da cartomante, onde as mulheres se reúnem para falarem sobre as situações mais difíceis que estão vivendo, sem pudor, entenderem seus homens, muitas vezes... abusivos. A mesa da cartomante é o lugar em que a mulher que sofre o relacionamento abusivo vai parar quando quer entender o parceiro que age “misteriosamente”, fazê-o "parar" por meio de um feitiço… Parar de trair, parar de bater, ter um humor melhor, como tornar-se melhor para ele, coisa que a mulher busca incessantemente - já que faz parte do padrão a aniquilação da auto-estima e a sensação constante de incapacidade e insuficiência. Homens abusivos comumente se escondem por trás de um “ar” de mistério, para justificarem seus comportamentos inconstantes. Esse mistério é trazido à tona na mesa do jogo.
Como contar "isto" ao terapeuta, como explicar que ele pode ser adorável e ao mesmo tempo um algoz. Como explicar que contudo, e apesar de tudo, ela continua amando e desejando esse homem. A marginalidade histórica da mesa da cartomante é um dos elementos que permite essa abertura. É o lugar onde ela pode dizer o que deseja, sente, pensa, não entende…
Não posso dizer que todos os casos de dúvidas amorosas que chegam a um jogo são casos de relacionamentos abusivos, obviamente. Mas creio firmemente que os casos de abuso são muito mais constantes do que se imagina, e que os profissionais da saúde mental são, em geral, muito despreparados para darem-se conta do que está acontecendo com a mulher, até por causa do cacoete epistemológico de basear toda avaliação comportamental em questões de afeto e no mimimi papãe-mamãe-neném freudiano, como aponta Deleuze.
Os homens usadores ou abusivos sabem que estão sendo abusivos, fazem isso por retaliação ou controle da mulher, e são mestres em angariar pessoas que acreditem neles e concordem com eles, precisam disso. O que move o comportamento abusivo não é o amor, nem a dor, nem qualquer comprometimento psicológico ou mental. O que move este comportamento são os benefícios concretos que o homem obtém do CONTROLE de sua parceira. Ela pensa nele o tempo todo, tenta compreender, tenta adivinhar atitudes. Ele é quem exerce o controle mental constante, se torna o centro da vida da mulher, em substituição a ela própria ou aos filhos.
O trabalho principal para auxiliar a mulher que está passando por uma situação de abuso é o de trazer de volta sua auto-confiança, fazê-la perceber que não é a "maluca da história", que as situações que está vivendo não são toleráveis ou naturais, e também, dar total apoio, compreendendo o quão difícil é sair desta situação. Estas mulheres precisam voltar ao centro da sua própria vida e recuperarem sua auto-estima. Depois de anos de abuso, fica difícil separar o joio do trigo...
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Fortune Teller, de Macaari, 1892 |
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